terça-feira, maio 12, 2009

O Bairro da Bela Vista em Sétubal












A área da Bela Vista, em Setúbal, foi considerada pelo III Plano de Fomento como uma área de expansão urbana, no início dos anos '70, para apoio, em habitação e equipamentos, à crescente implantação de indústria pesada e média na zona da Mitrena. Foi estabelecido um programa de desenvolvimento urbano em articulação com a cidade de Setúbal e encarregado o então Fundo de Fomento da Habitação (organismo da administração central para a promoção de habitação social e participada) de implementar os estudos, projectos e obras para a nova área urbana da Bela Vista. É após o 25 de Abril de 1974 que, na prática e no terreno, se inicia a sua concretização.

Os destinatários-residentes são, então e de início, os trabalhadores da grande e média indústria sediada em Setúbal (sectores naval, automóvel, metalúrgico, celulose, fabrico de máquinas, minérios, e outros); e não a classe média e média-alta e muito menos quadros superiores. De resto, o concelho de Setúbal era caracterizado por uma composição social onde estas classes possuíam uma representatividade muito abaixo da média do país, reflectindo, afinal, o que se passava na rede empresarial: o predomínio da indústria pesada e a falta de pequenas e médias empresas. Este tipo de tecido económico e a presença de serviços só muito lentamente e nos últimos anos foi tendo maior expressão na cidade e no concelho, com a consequente importância das classes média e média-baixa.

Cidade e concelho de forte imigração nos anos '50 e '60, sobretudo oriunda do Alentejo, está ainda em fase de lenta formação aquela coesão e convivialidade próprias de uma vida urbana socialmente consolidada (que exige gerações e ausência da miséria que tem sido "oferecida", continuadamente, pela sociedade e os Governos deste Portugal democrático!).

A este processo acrescem dois outros factores: as carências habitacionais da península entre Tejo e Sado, com milhares de famílias em condições habitacionais altamente degradadas (subaluguer, barracas, construções clandestinas); a chegada de milhares de retornados após o 25 de Abril. Em suma: alojar depressa e barato, com dignidade.

A maior capacidade reivindicativa e de organização dos trabalhadores de indústria da cidade de Setúbal depressa os levou para a promoção das próprias áreas de "cooperativas de habitação"; de resto uma presença muito importante na área do Plano em que se insere o Bairro da Bela Vista, sem que isso se traduza em conflitos de bairro! Porquê? Porque se trata de população com emprego, educação e sentido cívico.

Por tudo isto, a pressão das populações mais carenciadas na área do concelho de Setúbal e de outras áreas da Margem Sul traduziu-se na atribuição de fogos, precisamente, no Bairro da Bela Vista, por ser aqui que havia maior capacidade de oferta, e a custas da administração central, para instalar as famílias mais carenciadas. Hoje existem bem 47 línguas diferentes entre a população da Bela Vista! E esta população representa um caleidoscópio de culturas, nações e, por fim, de todo o tipo de carências.

Mas a tudo isto, e para melhor conhecer os traços socioeconómicos desta população, acrescem dois outros factores: a generalizada falta de instrução e de formação profissional, que abrange as diferentes gerações; o desemprego crónico e o recurso ao rendimento mínimo de subsistência que se estende a uma percentagem significativa da população residente sem emprego.Estes dois factores, por si só, são capazes, comprovadamente, de provocar os maiores problemas sociais e de relacionamento, qualquer que seja a proveniência e composição da população residente, e qualquer que seja a área urbana em causa (central ou periférica, em habitação consolidada ou fortemente degradada).

Nos últimos anos tem continuado a manifestar-se uma forte preocupação e preparação de acções, por parte das entidades locais e, menos consequentemente, das centrais, para minorar as condições negativas quer entre a população da Bela Vista quer no tocante à reabilitação dos edifícios (organizados com amplos espaços exteriores de uso colectivo, numa estrutura bem definida e hierarquizada de espaços públicos, colectivos e privados). Este tipo de intervenção exige dois tipos de acções: uma, imaterial, deve abranger a educação, a formação profissional, a oferta de emprego; a outra, material, deve cuidar das componentes construídas, como os espaços públicos e colectivos e os edifícios (que ao longo de 35 anos e apesar da persistente acção física de destruição e demolição tem resistido, porque não é uma arquitectura de "pladur").

Ora este tipo de acções, sobretudo a vertente imaterial - a educação, a formação, a criação e oferta de emprego de que tanto ouvimos falar - não tem merecido da parte do Governo Central a necessária atenção nem importância. E enquanto isto não acontecer não aparecerá uma primeira e diferente geração de cidadãos na Bela Vista. Entretanto, vamos na terceira geração de excluídos. Esta, a pobreza material e imaterial, é a questão central para as populações, qualquer que seja o seu bairro. Com a actual crise de modelo social e económico e perante a ineficiência das medidas da governação, infelizmente, estaremos a caminho do alastramento de processos como os da Bela Vista que se estenderão a muitas outras áreas urbanas empobrecidas e sem futuro viável. A Bela Vista é apenas o sinal; precursor porque acumula uma súmula de condições. Neste sentido, o seu plano e os seus edifícios, são o cenário de um processo onde a miséria da população a leva às mais graves consequências. Seria bom que políticos e Administração compreendessem realmente do que se trata e não se deixassem confundir e não nos queiram confundir apresentando os efeitos como sendo as causas destes processos sociais.

As cidades e o território portugueses são um palco tenso dos mais variados conflitos, acumulados por uma gestão negligente e socialmente irracional, que não coloca o cidadão nem os interesses do país no centro das soluções. Já temos, mas iremos ter um ainda maior preço social e económico a pagar no imediato e no futuro, por gerações; para o qual ninguém, sobretudo os Governos, preparam soluções.

José Charters Monteiro












ao odp, resta mais uma vez agradecer o comentário que passou a posta assim como o envio e a respectiva autorização para a "publicação" das fotos
é realmente belíssimo

20 Comments:

Anonymous Anónimo said...

belíssimo? ai ai.Depois não me venhas com as escadas da Laurenziana, que eu mando-te p'ra Bela Vista

1:29 da manhã  
Blogger AM said...

ó PCM não me digas que não gostas da foto!?
eu acho, repito, magnífico, do melhor que há por cá
e se falarmos em obras comparáveis então, só me lembro do Vítor Figueiredo...
não posso gostar da Bela Vista "e" (como diz o venturi) da Laurenziana!?
ora não querem lá ver uma coisa destas...

1:42 da manhã  
Blogger alma said...

Belíssimo sim :))

1:47 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ai não podes(em)não senhor.
Coitado é do Figueiredo. Ou (versão 2) coitadas das obras más do Figueiredo. Porque as há, la isso é que há.

1:58 da manhã  
Blogger alma said...

AM,
que tal fazermos uma visita ao local com o Pedro :))) com sorte ainda aparecemos na televisão :)))

2:08 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

it's a deal. marcamos para o verão, que deve estar mais fresquinho.

2:14 da manhã  
Blogger AM said...

pois para o verão não sei (já nem o tempo é o que era) mas lá que primavera vai quente...
ó pedro... não posso gostar de coisas diferentes (do clássico e do barroco, por exemplo), é isso!?
eu nem vou levar essa a sério...
obras más, do figueiredo... estou certo - que não há quem as não tenha... - que também as há
mas aquelas em que eu estava a pensar estão longe de envergonhar quem quer que seja...

11:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

OS BANDOS DOMINAM NOS BAIRROS SOCIAIS

Os partidos de esquerda desculpam sistematicamente a criminalidade com o a pobreza e o desemprego. Parece terem receio de uma atitude mais enérgica na luta contra o crime. Será que ficaram traumatizados desde os tempos do fascismo? Esta postura está a desorientar o seu próprio eleitorado natural: os mais pobres que são também os mais desprotegidos face à criminalidade. Assim, os partidos de esquerda têm muita responsabilidade relativamente ao crescimento da extrema direita que tem um discurso bem mais sensato sobre o combate crime. Barack Obama – que se poderá considerar de esquerda – prometeu ser implacável no combate ao crime e defender ao mesmo tempo os mais desfavorecidos. Não me parece que isso seja incompatível.

Todos os dias vemos fechar Empresas jogando muita gente no desemprego e na pobreza. Frequentemente, ficam muitos meses de salários por pagar, levando essas pessoas a uma situação de desespero. Se fosse esse o motivo dos desacatos que se têm visto nos bairros sociais, então eles aconteceriam preferencialmente nas manifestações junto aos antigos locais de trabalho, onde se aglomeram muitas pessoas na mesma situação.
Não! o que se viu no Bairro da Bela Vista foi a homenagem a um criminoso abatido em flagrante pela polícia, numa atitude de desafio à própria polícia como que para testar a sua capacidade de reacção e para uma demonstração de força no bairro.

Há 50 anos a pobreza em Portugal não era menor que a de hoje e a criminalidade violenta era praticamente inexistente. Se mais pobreza implicasse mais criminalidade, então não teria sido assim. As estatísticas nem reflectem a nossa realidade porque muitas vítimas já nem se queixam porque sabem que os criminosos são rapidamente postos em liberdade, mesmo quando são capturados e depois ficam sujeitos a represálias. Mela mesma razão, vítimas e testemunhas escondem a face quando são entrevistadas pela televisão.

Já há algum tempo um Mayor de Nova Iorque decidiu que não se deveria menosprezar a pequena criminalidade nem os pequenos delitos, porque a sensação de impunidade se instala nos jovens delinquentes, estes vão facilmente progredindo para infracções cada vez mais graves até que a situação se torna incontrolável. Implementou então a célebre "Tolerância Zero" que, como se sabe, deu óptimos resultados, reduzindo num só ano a criminalidade em Nova Iorque em cerca de metade.

A actual política portuguesa de manter na rua os criminosos, mesmo depois de várias reincidências, faz (como dizia o Mayor ) crescer a sensação de impunidade: o criminoso continua com as suas actividades criminais, vai subindo o nível dos seus delitos e serve de exemplo para que outros delinquentes mais jovens sigam o mesmo caminho.

Mas existem muitas pessoas trabalhadoras e humildes nos bairros sociais que não levantam problemas e que só desejam que os deixem viver em paz, o que não acontece, porque estão reféns dos bandos de criminosos que dominam nesses bairros. Não se pode contar com essas pessoas para testemunharem qualquer acto criminoso a que assistam porque têm medo, medo de represálias porque não se sentem convenientemente protegidas pela polícia que também não pode estar sempre presente. Lembra as favelas brasileiras...só que no Brasil polícia e militares juntam esforços para combater o domínio dos bandos nas favelas e tem havido baixas parte a parte mas a polícia começa a chegar onde antes não se aventurava. Por cá, enquanto o crime cresce e toma posições de domínio, a polícia, apesar de vontade, nada pode fazer porque lhe falta a autoridade. Entretanto, Governo, Partidos, Bispos e outras organizações não compreendem o que se está a passar e fazem conjecturas absurdas sobre o motivo dos desacatos que é por demais evidente. Será que temos que cair no fundo?

Ah! esquecia-me de uma coisa: espero que os indivíduos filmados a fazer "cavalinho" com as motos sejam punidos pelo menos por CONDUÇÃO PERIGOSA. É incorrecto multar o pacato cidadão apenas porque ultrapassou 50 Km/hora e deixar impunes estes exemplos exibicionistas...

A sugestão de Paulo Portas de entregar a gestão dos bairros sociais à igreja parece-me uma boa idéia: parece que a igreja tem soluções que não passam pela acção polícial para resolver os problemas desses bairros :-/

Zé da Burra o Alentejano

3:43 da tarde  
Blogger alma said...

Okie :) Pedro e AM combinado !
ao Bairro da bela vista é garantido :)))
e quem sabe a de azeitão :))) para tirar as teimas :)))


by the way

AM, aquela obra que me fez descobrir o ODP já meteu mais água do que seria de esperar :))))

8:21 da tarde  
Blogger AM said...

ó zé da burra... que falta de pachorra para "comentários" repetidos (de caixa de comentários para caixa de comentários...)

alma, meteu água literalmente ou metaforicamente!? :)

8:46 da tarde  
Blogger alma said...

lieralmente e metafóricamente dois em um :)))

9:07 da tarde  
Blogger alma said...

literalmente :)

9:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Os partidos de esquerda desculpam sistematicamente a criminalidade de mais baixo nível, a que chamo de "CRIMINALIDADE RANHOSA" com o pretexto da pobreza e do desemprego. Parece terem receio de uma atitude mais enérgica na luta contra o crime. Será que ficaram traumatizados desde os tempos do fascismo? Esta postura está a desorientar o seu próprio eleitorado natural: os mais pobres que são também os mais desprotegidos face à criminalidade. Assim, os partidos de esquerda têm muita responsabilidade relativamente ao crescimento da extrema direita que tem um discurso bem mais sensato sobre o combate crime, Mas o crime tem que ser TODO ELE combatido energicamente, seja o chamado "crime de colarinho branco" seja o "crime ranhoso", mas,infelizmente, este país está a afundar-se em ambos. NÃO SE DEVE DESCULPAR NEM UM NEM OUTRO. HÁ QUE COMBATER AMBOS, jÁ!!!

Zé da Burra o Alentejano

4:33 da tarde  
Blogger AM said...

pela minha parte que não sou de qualquer partido de "esquerda" (mas qual!?...) ou de direita (quase os outros todos...), apenas desejo o combate de todos os crimes
por outro lado, alguma (pouca) "esquerda" deseja (ou diz que sim) combater com mais "energia" o(s) crime(s) e entre eles(s) o crime... "económico"...
o "crime de colarinho branco" é tão "ranhoso" como os outros todos...
são é criminosos com muito mais... "lavandaria" (o "crime de colarinho branco", como o próprio nome indica, "lava mais branco"...)
sobre os traumatizados com o fascismo, diria que há para todos os gostos...

4:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

no nosso especto político há quem defenda o combate ao crime económico ou "de colarinho branco" mas desculpe sistematicamente o outro, aquele a que chamei de "ranhoso"; mas também há o contrário. Na verdade quanto ao muco nasal, o chamado ranho, ele pode nem existir...

Eu não troco um pelo outro e tal como você "AM" defendo que ambos devem ser severa e duramente perseguidos e punidos.

Zé da Burra

11:57 da manhã  
Blogger AM said...

isto não é sobre o crime, é sobre a arquitectura
a relação (é o meu "ponto") entre as duas coisas é... "ténue"... muito "ténue"...

8:11 da tarde  
Blogger Unknown said...

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