até à náusea...
... a repetição de: "bairro problemático" e "crime violento"
e a a-moralidade do crime económico, de colarinho branco, de uns tantos (pequenitos...) a saldo (e a soldo) do grande capital, o que é!? "crime pacífico"!?
Language of Violence!?
e a a-moralidade do crime económico, de colarinho branco, de uns tantos (pequenitos...) a saldo (e a soldo) do grande capital, o que é!? "crime pacífico"!?
Language of Violence!?
2 Comments:
A área da Bela Vista, em Setúbal, foi considerada pelo III Plano de Fomento como uma área de expansão urbana, no início dos anos '70, para apoio, em habitação e equipamentos, à crescente implantação de indústria pesada e média na zona da Mitrena. Foi estabelecido um programa de desenvolvimento urbano em articulação com a cidade de Setúbal e encarregado o então Fundo de Fomento da Habitação (organismo da administração central para a promoção de habitação social e participada) de implementar os estudos, projectos e obras para a nova área urbana da Bela Vista.
É após o 25 de Abril de 1974 que, na prática e no terreno, se inicia a sua concretização.
Os destinatários-residentes são, então e de início, os trabalhadores da grande e média indústria sediada em Setúbal (sectores naval, automóvel, metalúrgico, celulose, fabrico de máquinas, minérios, e outros); e não a classe média e média-alta e muito menos quadros superiores. De resto, o concelho de Setúbal era caracterizado por uma composição social onde estas classes possuíam uma representatividade muito abaixo da média do país, reflectindo, afinal, o que se passava na rede empresarial: o predomínio da indústria pesada e a falta de pequenas e médias empresas. Este tipo de tecido económico e a presença de serviços só muito lentamente e nos últimos anos foi tendo maior expressão na cidade e no concelho, com a consequente importância das classes média e média-baixa.
Cidade e concelho de forte imigração nos anos '50 e '60, sobretudo oriunda do Alentejo, está ainda em fase de lenta formação aquela coesão e convivialidade próprias de uma vida urbana socialmente consolidada (que exige gerações e ausência da miséria que tem sido "oferecida", continuadamente, pela sociedade e os Governos deste Portugal democrático!).
A este processo acrescem dois outros factores: as carências habitacionais da península entre Tejo e Sado, com milhares de famílias em condições habitacionais altamente degradadas (subaluguer, barracas, construções clandestinas); a chegada de milhares de retornados após o 25 de Abril. Em suma: alojar depressa e barato, com dignidade.
A maior capacidade reivindicativa e de organização dos trabalhadores de indústria da cidade de Setúbal depressa os levou para a promoção das próprias áreas de "cooperativas de habitação"; de resto uma presença muito importante na área do Plano em que se insere o Bairro da Bela Vista, sem que isso se traduza em conflitos de bairro! Porquê? Porque se trata de população com emprego, educação e sentido cívico.
Por tudo isto, a pressão das populações mais carenciadas na área do concelho de Setúbal e de outras áreas da Margem Sul traduziu-se na atribuição de fogos, precisamente, no Bairro da Bela Vista, por ser aqui que havia maior capacidade de oferta, e a custas da administração central, para instalar as famílias mais carenciadas. Hoje existem bem 47 línguas diferentes entre a população da Bela Vista! E esta população representa um caleidoscópio de culturas, nações e, por fim, de todo o tipo de carências.
Mas a tudo isto, e para melhor conhecer os traços socioeconómicos desta população, acrescem dois outros factores: a generalizada falta de instrução e de formação profissional, que abrange as diferentes gerações; o desemprego crónico e o recurso ao rendimento mínimo de subsistência que se estende a uma percentagem significativa da população residente sem emprego.
Estes dois factores, por si só, são capazes, comprovadamente, de provocar os maiores problemas sociais e de relacionamento, qualquer que seja a proveniência e composição da população residente, e qualquer que seja a área urbana em causa (central ou periférica, em habitação consolidada ou fortemente degradada).
Nos últimos anos tem continuado a manifestar-se uma forte preocupação e preparação de acções, por parte das entidades locais e, menos consequentemente, das centrais, para minorar as condições negativas quer entre a população da Bela Vista quer no tocante à reabilitação dos edifícios (organizados com amplos espaços exteriores de uso colectivo, numa estrutura bem definida e hierarquizada de espaços públicos, colectivos e privados). Este tipo de intervenção exige dois tipos de acções: uma, imaterial, deve abranger a educação, a formação profissional, a oferta de emprego; a outra, material, deve cuidar das componentes construídas, como os espaços públicos e colectivos e os edifícios (que ao longo de 35 anos e apesar da persistente acção física de destruição e demolição tem resistido, porque não é uma arquitectura de "pladur").
Ora este tipo de acções, sobretudo a vertente imaterial - a educação, a formação, a criação e oferta de emprego de que tanto ouvimos falar - não tem merecido da parte do Governo Central a necessária atenção nem importância. E enquanto isto não acontecer não aparecerá uma primeira e diferente geração de cidadãos na Bela Vista. Entretanto, vamos na terceira geração de excluídos. Esta, a pobreza material e imaterial, é a questão central para as populações, qualquer que seja o seu bairro.
Com a actual crise de modelo social e económico e perante a ineficiência das medidas da governação, infelizmente, estaremos a caminho do alastramento de processos como os da Bela Vista que se estenderão a muitas outras áreas urbanas empobrecidas e sem futuro viável. A Bela Vista é apenas o sinal; precursor porque acumula uma súmula de condições. Neste sentido, o seu plano e os seus edifícios, são o cenário de um processo onde a miséria da população a leva às mais graves consequências. Seria bom que políticos e Administração compreendessem realmente do que se trata e não se deixassem confundir e não nos queiram confundir apresentando os efeitos como sendo as causas destes processos sociais.
As cidades e o território portugueses são um palco tenso dos mais variados conflitos, acumulados por uma gestão negligente e socialmente irracional, que não coloca o cidadão nem os interesses do país no centro das soluções. Já temos, mas iremos ter um ainda maior preço social e económico a pagar no imediato e no futuro, por gerações; para o qual ninguém, sobretudo os Governos, preparam soluções.
José Charters Monteiro
mt obg. JCM
uma honra para o odp receber este comentário que com a sua autorização vai passar a posta
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