Zeca de Pantufas? (Forma e Conteúdo)
Ao recensear crítica e positivamente o último trabalho de Vitorino (e a "obra" musical de outros "companheiros"...) escreve o José na GLQL: "Esqueça a ideologia e os recados políticos e ouça..." sugerindo(-me) que o apreço pela obra de certos autores não deverá implicar qualquer "adesão" à sua "mensagem"... à sua "ideologia"...
A minha questão é, se será possível separar a forma do conteúdo? É possível apreciar as qualidades estéticas da obra de Zeca Afonso, "esquecendo" ou "ignorando" o "conteúdo", e não apenas os conteúdos explícitos das letras, mas também outros (como os musicais) cuja "leitura", efectuada em resultado da fruição estética seja "apenas" "plausível" e/ou "induzida".
Porque as letras das músicas, serão a esse propósito, repito-me, "explicitas", mas, por exemplo, a utilização de formas "populares" da música tradicional portuguesa (como na "chula da póvoa" que José cita, e que nem sequer é música da minha particular estima) será inseparável do compromisso ideológico do artista com a mensagem que quis transmitir?
A este (des)propósito, e para - espero - tornar mais clara a minha opinião sobre esta questão recordei-me de uma lição que julgo ter aprendido com a leitura do livro "Estética da Arquitectura" de Roger Scruton, Edições 70.
Sobre a pintura, São Jorge de Rafael, escreve esse autor:
"Aqui alguém pode reclamar que se podia obter uma compreensão, pelo menos parcial, da pintura estudando-a como uma peça de arte abstracta. Podem compreender-se, dirá, a composição da pintura, o equilibrio de tensões entre linhas ascendentes e descendentes, a sequência de planos espaciais, etc., e em nenhuma destas coisas se tem consciência do assunto. Mas essa resposta é totalmente disparatada. Pois parece sugerir que essas importantes qualidades estéticas do quadro de rafael - composição, equilíbrio e ritmo espacial - são completamentes independentes da representação e isso não é assim. Por exemplo, só percebemos o equilibrio entre o impulso ascendente das pernas traseiras do cavalo e a lança porque vemos as duas linhas ocupadas com as forças das coisas pintadas - com os músculos do cavalo e a pressão descendente da lança do cavaleiro. Se se puser de parte a representação, o equilíbrio também se dissolve. E o mesmo se passa com a composição. (...) Nada aqui é compreensível sem a representação ser entendida."
Peço desculpa pela longa citação, mas o que eu creio ser aqui mais importante, para o ponto que desejo "marcar", é que na obra de certos artistas a "plena" apreciação da forma, não é independente da compreensão do tema, ou para manter a mesma terminologia, do conteúdo. Forma e Conteúdo, reforçam-se mutuamente, e é dessa interdependência, desse reforço que as obras extraem a sua maior força. O "corridinho" no "viva o poder popular", a música tradicional alentejana no Grândola, etc, serão exemplos... imediatos, mas para outras, para quase todas, seria possível prolongar o paralelismo.
Veja-se (ouça-se) o "estilo declamatório" de "arcebispíada"...
Em conclusão, é certamente possível apreciar (formalmente) a obra de certos autores "comprometidos" com certas causas, sem partilhar dos seus pontos de vista sobres essas mesmas causas, mas não é possível apreciar "correctamente" o significado ou o sentido de uma obra de arte na sua "totalidade", que é também a causa da sua riqueza e do seu valor artístico, sem procurar "interiorizar" na experiência da sua fruição a sua "ideologia".
Zeca de Pantufas?
A minha questão é, se será possível separar a forma do conteúdo? É possível apreciar as qualidades estéticas da obra de Zeca Afonso, "esquecendo" ou "ignorando" o "conteúdo", e não apenas os conteúdos explícitos das letras, mas também outros (como os musicais) cuja "leitura", efectuada em resultado da fruição estética seja "apenas" "plausível" e/ou "induzida".
Porque as letras das músicas, serão a esse propósito, repito-me, "explicitas", mas, por exemplo, a utilização de formas "populares" da música tradicional portuguesa (como na "chula da póvoa" que José cita, e que nem sequer é música da minha particular estima) será inseparável do compromisso ideológico do artista com a mensagem que quis transmitir?
A este (des)propósito, e para - espero - tornar mais clara a minha opinião sobre esta questão recordei-me de uma lição que julgo ter aprendido com a leitura do livro "Estética da Arquitectura" de Roger Scruton, Edições 70.
Sobre a pintura, São Jorge de Rafael, escreve esse autor:
"Aqui alguém pode reclamar que se podia obter uma compreensão, pelo menos parcial, da pintura estudando-a como uma peça de arte abstracta. Podem compreender-se, dirá, a composição da pintura, o equilibrio de tensões entre linhas ascendentes e descendentes, a sequência de planos espaciais, etc., e em nenhuma destas coisas se tem consciência do assunto. Mas essa resposta é totalmente disparatada. Pois parece sugerir que essas importantes qualidades estéticas do quadro de rafael - composição, equilíbrio e ritmo espacial - são completamentes independentes da representação e isso não é assim. Por exemplo, só percebemos o equilibrio entre o impulso ascendente das pernas traseiras do cavalo e a lança porque vemos as duas linhas ocupadas com as forças das coisas pintadas - com os músculos do cavalo e a pressão descendente da lança do cavaleiro. Se se puser de parte a representação, o equilíbrio também se dissolve. E o mesmo se passa com a composição. (...) Nada aqui é compreensível sem a representação ser entendida."
Peço desculpa pela longa citação, mas o que eu creio ser aqui mais importante, para o ponto que desejo "marcar", é que na obra de certos artistas a "plena" apreciação da forma, não é independente da compreensão do tema, ou para manter a mesma terminologia, do conteúdo. Forma e Conteúdo, reforçam-se mutuamente, e é dessa interdependência, desse reforço que as obras extraem a sua maior força. O "corridinho" no "viva o poder popular", a música tradicional alentejana no Grândola, etc, serão exemplos... imediatos, mas para outras, para quase todas, seria possível prolongar o paralelismo.
Veja-se (ouça-se) o "estilo declamatório" de "arcebispíada"...
Em conclusão, é certamente possível apreciar (formalmente) a obra de certos autores "comprometidos" com certas causas, sem partilhar dos seus pontos de vista sobres essas mesmas causas, mas não é possível apreciar "correctamente" o significado ou o sentido de uma obra de arte na sua "totalidade", que é também a causa da sua riqueza e do seu valor artístico, sem procurar "interiorizar" na experiência da sua fruição a sua "ideologia".
Zeca de Pantufas?
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