Oh não! É outro “texto crítico” sobre “arquitectura portuguesa” *
Não há grande coisa para escrever (um assunto por demais “esmiuçado”…) sobre o “estado” (“crítico”) da actual “arquitectura portuguesa”.
A arquitectura não conhece fronteiras e o circo da arquitectura portuguesa é, circa 2009, mais ou menos (e no essencial…) como o circo da arquitectura de outro país qualquer.
A arquitectura, à excepção das “arquitecturas (escritas ou desenhadas) de papel”, depende (como nenhuma das outras belas artes…), das “condições objectivas”. Portugal é um país pobre e periférico. A “arquitectura portuguesa” é pobre e periférica (e não há cá fenómenos de “globalização” que resolvam isto entre duas pernadas e um photoshop…)
Pensar a “arquitectura portuguesa” é como olhar para um copo meio cheio (ou meio vazio). Depende (tudo!) da sede com que se… vê.
Para alguns, mais deslumbrados que “optimistas”, a “arquitectura portuguesa” é “uma história (“cor-de-rosa”) de sucesso”! A “arquitectura portuguesa” e os arquitectos portugueses são um “produto” e uma “marca” com uma “identidade”, que se pode levar a passear (sem vergonhas nem outros embaraços) aos salões (reais ou virtuais) do(s) “estrangeiro(s)”… A “arquitectura portuguesa” é “capa de revista” (lá fora…), a “arquitectura portuguesa” é premiada (lá fora…), a “arquitectura portuguesa” é divulgada (lá fora…), a “arquitectura portuguesa”… é o Siza (o que felizmente – e dada a evidência… - nos dispensa a todos de outras e potencialmente inoportunas considerações…).
Para os que insistem em ver o copo “meio-cheio” (…) a “arquitectura portuguesa” é o “somatório” dos nomes dos autores e das obras de “excepção” (as tais que não envergonham ninguém…) fotografadas e publicadas (e raramente criticadas…) conforme os (ditosos) costumes da pátria.
Para os que por assim dizer (com sotaque) se amarram num copo “meio-vazio”, a “arquitectura portuguesa” é – precisamente pelos mesmos motivos… – um autêntico “filme de terror” (daqueles muito antigos… com “efeitos especiais”… “ultra-passados”…).
À margem (com incertas e más maneiras) “circulam” alguns (poucos) para quem o copo meio-cheio, ou meio-vazio, tem sempre a mesma “medida”…
Para estes, o debate sobre (e resumindo…) “formas & estilos”, peca por “desviar as atenções dos graves problemas” da… “arquitectura portuguesa”…
Para estes últimos, a “arquitectura portuguesa”, incapaz de reclamar a sua (devida) inclusão e (justa) participação nos mecanismos e instrumentos que decidem sobre a “transformação” da (destruída) “paisagem”, não passa de uma (quase inútil) “operação de charme”, destinado ao “ilusório encantamento” dos… iniciados…
É desta situação que, de uma maneira ou de outra, estes 15 projectos agora “seleccionados” (entre outros igualmente possíveis) “falam”.
Para o Museu da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre no Brasil, Siza Vieira construiu a última das suas “obras-primas”. É uma das melhores obras do nosso melhor arquitecto e é uma das melhores obras de (toda a história da) arquitectura da primeira década do novo século. O Museu é uma aula de “regionalismo crítico”. O Museu “mixa” programa e sítio, Lina Bo Bardi e Frank Lloyd Wright, com a experiência (acumuladas) das coisas experimentadas e a (habitual) mestria de “desenho” por todos (embora nalguns casos quase a “contragosto”…) reconhecida.
Moradias unifamiliares são encomendas características das “primeiras obras”.
Para os arredores de Grândola Luís Miguel Pereira projectou uma casa em betão aparente com portadas de madeira. É uma casa “duna”, meia “enterrada” no terreno arenoso, com cobertura ondulante e volumes “radi(c)ais”… O resultado desperta curiosidade e simpatia pela tentativa de (ente) cruzar as expectativas de uma encomenda (“burguesa”) com os diversos formalismos (Ghery, Hadid) do universo dos “starquitectos”. Desilude na análise mais atenta à organização do programa e à espacialidade do interior (onde “destoa” ou sobressai a lareira “cúbica”, perdida, a “atrapalhar”, no “living-room”). “Regionalismo crítico” pós DECON!?...
Estratégia semelhante (via Koolhaas…) para a casa (“emigrante”) Dr. Reginaldo Spenciere dos AUZPROJEKT e a “Cork House” (Koolhaas, H&deM, L&V…) dos Arquitectos Anónimos. A primeira, também predominantemente em betão, explora a similitude com a volumetria da construção vizinha à qual se “adossa”. A organização do programa e a pormenorização conferem-lhe a identidade (ansiosamente…) procurada. A segunda (também) recicla (pela enésima vez…) a “ideia” para “uma casa em forma de casa”, com “telhado” de “duas águas”. A organização interna é “pragmática” e directa, sem rasgos que a distinga. A “pele” (…) em cortiça, perdão, em “cork”, simplificam-na em demasia. A junção a outros materiais resulta confusa e a-tipicamente antipática. Será esse, aliás, o maior dos seus méritos.
Para a Arruda dos Vinhos, o Plano B projectou uma “petit cabanon” com arremedos e lembranças de Le Corbusier. A transparência e honestidade que envolveram as decisões do projecto e da obra (num meio profissional e “disciplinar” muito marcado por uma absurda “opacidade”…) abrem pistas para outros processos/projectos igualmente (quem tem medo de testar os limites dos “equívocos”!?...) “participativos”.
Se a casa da Arruda é uma primeira e pequena “experiência” (e justamente acarinhada enquanto tal), a casa Adropeixe de Carlos Castanheira é a confirmação (a “apoteose”?) de um “ciclo” (?) de moradias unfamiliares construídas em madeira.
É, pelo desenho e “natureza construtiva”, uma obra (ler acima…) de excepção…
Outro “território” de encomenda para alguns arquitectos especialmente seleccionados, têm sido os equipamentos escolares e os equipamentos ligados à “indústria do turismo”.
No âmbito do designado “Parque Escolar” Ricardo Bak Gordon projectou para a escola secundária D. Dinis um pavilhão multifuncional que preenche os interstícios das construções existentes. O resultado, com as “patologias” (de desenho) das muitas “arestas boleadas” e das janelas “sem escala”, encerra mais dúvidas que respostas. A “imagem” prisional, a ausência de amenidades e de “trabalho” sobre os espaços exteriores faz recear o pior sobre o (projecto) “modelo” da futura escola pública.
Outra escola, a Superior de Música na quinta de Marrocos do bairro de Benfica em Lisboa, dá continuidade (passe o paradoxo) ao discurso solipsista da irmã mais velha (Escola Superior de Comunicação Social do mesmo autor). A oportunidade “oferecida” pelo plano de Raul Hestnes Ferreira para a totalidade da quinta como um lugar urbano e civilizado parece agora definitivamente perdida no caos da sua própria arquitectura. Um local “exemplar” para estudar e aprender com o que foram os últimos 35 anos de… “arquitectura portuguesa”.
O Hotel Axis de Jorge Alburquerque explora com inusitado dramatismo – coisa rara entre nós… – a dramática localização (junto a uma “novi-rotunda”…). O contributo (positivo e negativo) para a “arquitectura portuguesa” está ainda por apurar e só o futuro o poderá comprovar. Nos entretantos, a promoção, a elevação, de Viana do Castelo a “capital” da “arquitectura (wallpaper) portuguesa” não passa de um “golpe” de “marketing”…
Outra “unidade hoteleira”, com uma escala e sentido de intervenção muito diferente, é o Hotel Rural do Paço do Pombeiro dos EZZO. A intervenção não se afasta muito do “modelo” mais habitual em casos semelhantes (recuperação de construções existentes, construção de uma “ala” destacada com um “bateria” de quartos novos). O mais interessante da obra é o cuidado posto no estudo da “célula” base que um projecto com estas dimensões e características permite. A “imagem” exterior substitui – sem grandes sobressaltos… – a estafada cartilha “tipo” Souto de Moura (planos vagamente “neo-plasticistas” em perpianho híbrido ou whatever…) pelo betão rosa da última extracção… suíça…
A intervenção no castelo de Castelo Novo de Luís Miguel Correia & Nelson Mota é exemplar na clareza com que enuncia e executa princípios (mais ou menos consensuais…) para a intervenção no património classificado e nos “monumentos”.
O pavilhão “Ar do Rio” dos GuedesdeCampos e o Pabellon Ayuntamento de Madrid de Sanina e Dantas exploram, cada um a seu modo e no contexto dos seus diferentes programas e funções, os efeitos gráficos de composições geométricas. Particularmente apropriadas para obras temporárias e de… “desgaste rápido”.
Para o fim ficam aqueles que me parecem ser as duas obras mais problemáticas (positivo) e ambiciosas de todo o “lote” das seleccionadas: o Arquivo Municipal de Loures de Fernando Martins e João Santa Rita e a Incubadora de Empresas de Vila Verde dos Contemporânea (MGD+EJV). O primeiro porque carrega o peso (“institucional”) de “fazer cidade” com um desenho “extremo” e de extremo rigor e abstracção. O segundo porque sabe que “fazer cidade” depende menos da boa vontade (e do “bom gosto”…) dos arquitectos que do desejo de uma apertada trama de referências (eruditas “e” – both and… - “populares”) capazes de construírem mais que espaços “sentidos”, espaços com (um qualquer e ainda que “fraco” ou “débil”) sentido. A posição marginal, à vila de Vila Verde e à própria “estrada nacional” que “serve” o edifício, dizem bem da nossa (in) capacidade para “incubar” as identidades da nova… “arquitectura portuguesa”…
Quanto ao resto, a “arquitectura portuguesa” é um lugar feliz. Um lugar onde até o próprio primeiro-ministro assinou projecto de arquitectura… Não se via nada assim desde que Thomas Jefferson…
* Exactamente conforme publicado no Yearbook "Arquitectura em Portugal" 08.09 da Workmedia (num quiosque - já! - perto de si...)
ODP (e o am) agradece(m) aos fellows Pedro Machado Costa, Pedro Gadanho e Tiago Mota Saraiva, agradece(m) ao Carlos Sant'Ana pelo (amável, generoso e despropositado...) convite e (ainda mais sentidamente...) ao editor Ricardo Batista.
À vossa (de todos) inteira (des) consideração.
14 Comments:
na mouche, carago! Parabéns.
oh, gracias :)
Regressado do Oriente (onde nascem os astros e as religiões!) JFC congratula-se com este sucesso crítico! Brilhante!
JFC o autêntico
Parabéns, AM:)
Fabuloso :)
este Post merecia estar impresso a sanguínea :)))
JFC & AM:)
"Nunca em amor danou o atrevimento
Favorece a Fortuna a ousadia
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.
Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe é guia
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusões que leva o vento.
Abrir-se devem passos à ventura
Sem si próprio ninguém será ditoso
Os princípios somente a Sorte os move.
Atrever-se é valor e não loucura
Perderá por cobarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove" LVC
Gostei. Parabéns!
Muito bom!
premios construir?:)
JFC
o único :)
alma
ODP e LVC lado a lado!? :)))
que despp... :)
dioniso
mt obg
simões
isso, obg
vou actualizar o "post" com o link
AM,
a propósito :)))mais um :)))
"Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado."
LVC
ah, ah :)
adoro (amo) esse :)
tenho numa colectânea de poesia infantil :) da Sophia :)
e estou à procura para oferecer este natal :)
Não querendo ser machista mais do que permite a força humana :)))
A sofia não é camões ...:)))
sobre o grande zarolho :) recomendo (para o caso de não ter visto) o plano inclinado desta noite (de 28 de 11) :)
tem tudo a ver com o espírito desta posta... :)
e com os meus sonhos...
“O verdadeiro crítico é aquele que não compreende a obra e antevê (um pouco) as razões por que não pode compreendê-la.”...
Tenho pensado nisto... mas como arquitecto já nem sei se penso ou se apenas deformo ideias.
olá francisco
não que eu seja um "verdadeiro artista" da crítica, mas essa frase parece-me que anda muito lá por perto
a crítica é um bichinho (da ignorância) que nos fica a roer cá por dentro...
entre pensar e deformar tb não sei se vai uma grande distância... mas sei que deformar, dar outra forma, outra "volta", ajuda muito a pensar... pela nossa cabeça
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