sábado, maio 27, 2006

O Telhado e a Cobertura Plana

Queria escrever sobre esta posta do Barba Rija… sobre os telhados… mas não me está a sair… talvez porque não queira tomar partido por nenhuma das facções nesta querela dos telhados versus “terraços horizontais”. Ambas as soluções são “recursos” (formais, construtivos, etc.) à nossa disposição, e não vejo porque, em nome de que fundamentalismo “epistemológico”, tenha que escolher entre “uma” (solução) ou a “outra”.
Não posso (bígamo) ficar com as duas? :)
É que eu faço parte dessa “imensa minoria” que aprecia (e prefere) a “cobertura inclinada”, mas não desdenha uma boa “cobertura horizontal”! :)
Queria escrever para “desmontar” (da cobertura) a falácia de alguns dos teus argumentos.
Primeira tentativa: A equivalência entre a cobertura plana (prefiro assim) e a “espacialidade moderna” das “continuidades espaciais” (entre o interior e exterior). É uma tese (essa sim “oca”) que não se aguenta das canetas. Estou a pensar na arquitectura das Prairies Houses do FLW, e no exemplo maior da “Robie House”…, “continuidade espacial” “moderna” (ou “pré –moderna”) que quis (e soube) “destruir a caixa”, em percursora experiência do que viria a seguir (Mies, etc.) e às quais não faltam “telhados”! E por aí fora… Muitos outros exemplos, de “espacialidades modernas” com telhados, poderiam ser dados, e tu falas, e muito bem, das moradias do Siza, não menos “modernas”, por esse “vício” (ou virtude!) de concepção.
Segunda tentativa: A equiparação entre os “telhados” e a arquitectura “tradicional” (e/ou “anti-moderna”?) por um lado, e os “terraços horizontais” e a “arquitectura moderna”, por outro. A “cobertura plana”, não é exclusivo, ou sequer invenção dos malandros dos modernos. Coberturas planas há muitas, como os chapéus… assim de repente lembrei-me da Igreja dos Jerónimos ou da Sé da Guarda, e como sou preguiçoso, e “porque hoje é sábado”, não procuro (na memória) mais nenhum exemplo. Na outra direcção… sobre como o telhado não só não passou à história, como pelo contrário “atravessa” toda a história da “arquitectura moderna” ao longo século XX, já estamos “converSizados”.
Daí também não poder concordar com o teu ponto da vista sobre “o combate ao dogma” e a “recuperação” dos telhados pelos ditos “pós-modernos”. Há os que sim, e os que não, e desta vez (cada vez pior) nem exemplos estou para dar.
Recordo apenas um muito curioso (e pouco conhecido, fora do núcleo duro das “sociedades secretas”…) projecto de Robert Venturi para o “Residence Hall Complex” da Universidade de Cincinnati. A “defesa” do projecto (“accepted and later rejected”), pelo seu autor, conforme publicado no “Venturi Scott Brown & Associates, 1986-1998”, do Stanislaus von Moos, termina assim: “And by the way, a flat roof does not imply mean – the palace of Versailles has a flat roof.”
Mas o Venturi, já se sabe, é um mau exemplo, porque nunca foi pós-modernista…
Posso compreender e, em parte, concordar com os teus argumentos em defesa do “telhado”, mas não me identifico com a “forma” como o fazes. Não me identifico com um discurso crítico “anti-moderno”(Descartes e tudo, mas tu lá sabes…), que não vê (ah, Corbu, “olhos que não vêem”…) na arquitectura moderna, mais do que “caprichos (…) que carecem de uma explicação razoável”, e que apela ao “uso das coisas singelas”!
Penso que também compreendo, e a ser assim, concordo, com a “invisibilidade”, nas “revistas da especialidade”, de “outras” arquitecturas, mas isso é outra guerra… na qual, “combate” cada um, com as armas que têm.
Sobre a ironia, na utilização dos telhados… não sei… se concordo, eu “pré-sinto” em quase toda a arquitectura mais recente, um “desespero” que não sei se sei interpretar... mas com muito pouco de irónico. Veja-se o projecto do ESM (com telhado!) para “a casa de pernas para o ar”? Não é irónica, é… triste.
Despeço-me com uma pergunta. Qual é a obra dos Mateus (e quais são os Mateus) a que te referes?

7 Comments:

Blogger lc said...

Não me parece que quem sabe fazer arquitectura, nos dias de hoje, tenha feito uma opção no início de carreira perante o uso de cobertura inclinada ou plana. A questão do tipo de cobertura é um problema insignificante perante a globalidade do projecto, sendo uma opção que advém da estratégia, intenção ou propósito conceptual da proposta. Uma vez opta-se por inclinada, outra vez por plana e ninguém passa a ser mais ou menos contemporâneo!

8:20 da tarde  
Blogger Barba Rija said...

Obrigado pelo teu comentário, antónio machado, e deixa-me aqui pelo menos clarificar melhor as minhas questões (porque não passam disso, são deambulações, por vezes exageradas, mas que têm sempre um fundo que captei, e que tento descobrir melhor)


Ao Ipscampos, que aqui comentou, digo o seguinte: embora o que dizes possas pensar e fazer desse modo, e concordo totalmente - vejo todas as coisas como usáveis dependendo do desejo arquitectónico e da estratégia utilizada - não é esse o modo generalizado como toda uma sociedade de arquitectos vê o assunto. Não fiz um estudo social do caso, mas conheço bastantes colegas para afirmar o que penso. As coberturas inclinadas são apenas utilizadas em projectos avant-garde de cariz "desconstrutivista" ou parecido, ou então como uma ironia à casinha. Outras utilizações são feitas por arquitectos "marginais" ou então impostas pelos donos-de-obra. Mais, depois de quebrada a barreira de aceitar a utilização da cobertura inclinada, fazer-se-á fincapé ao uso do cobre e não do telhado, que todos sabemos, é "foleiro à brava".

2º A ti, António:

"Não posso (bígamo) ficar com as duas? :)"
Não podes, deves. Eu falava de tabus generalizados que detecto. Manias. Porventura não utilizadas tão genéricamente pela chamada inteligentsia, porque essa está mais interessada em subverter, e os telhados são uma fonte de imaginário divertida para subverter (de relembrar a exposição na cordoaria nacional sobre o tema da "casa portuguesa", ou o mito do Raul Lino). Isto não quer dizer que não possas usar o que quiseres, porque é isso que defendo. Mas a liberdade é aquela que não se deixa prender a manias, a fetiches, a coisas que fazem os comuns dizer: "vê-se logo que é casa de arquitecto", mas porquê?!? as casas não são de arquitectos (e isto é coisa incompreendida entre nós, peço desculpa), mas sim das pessoas que as habitam. (mas isto já vai longe)

3º"É uma tese (essa sim “oca”) que não se aguenta das canetas. Estou a pensar na arquitectura das Prairies Houses do FLW, e no exemplo maior da “Robie House”…, “continuidade espacial” “moderna” (ou “pré –moderna”) que quis (e soube) “destruir a caixa”, em percursora experiência do que viria a seguir (Mies, etc.) e às quais não faltam “telhados”!"

Não percebo em como isto vai contra o meu raciocínio. FLW, apesar dos seus esforços contínuos em definir a vida das pessoas que habitavam as suas casas (ao ponto de lhes dizer o que deviam vestir), é para mim uma referência mundial de "telhados" bem feitos. No entanto, nunca esquecer que os "verdadeiros" modernistas consideravam FLW como "o melhor arquitecto.... do séc XIX", precisamente pelo uso dos telhados, dos ornamentos, etc. Foi preciso construir uma casa sem telhados nem ornamentos (Falling Water) para se dar a devida homenagem ao senhor. É desta idiotice que falo. FLW sabia perfeitamente o que era uma casa, e gozava com Mies ao não tirar o chapéu dentro de uma de suas casas...

Siza é outro exemplo, mas muito embora as suas casas primeiras demonstrassem um estudo escultural do uso dos telhados... é inevitável constatar que a partir de certa altura passou a ser "cobertura horizontal" forever, mas também estas figuras são, como disse no meu post, ímpares. Porque a elas é-lhes "dada" essa liberdade, tudo o que fazem é inevitavelmente "ouro", criam a onda e os outros seguem. Mas ao invés de verem a essência da onda, copiam-lhe os tiques, os pormenores, as cores, e criam uma linguagem inexplicada (e inútil: não é aí que reside a beleza das coisas)

4º"A “cobertura plana”, não é exclusivo, ou sequer invenção dos malandros dos modernos. Coberturas planas há muitas, como os chapéus… "

Nada é "inventado", mas sim abstratizado. Eu vivi muitos anos no algarve, numa açoteia, sei muito bem o que é uma cobertura plana "tradicional", mas há razões efectivas para ser desse modo no algarve. Corbusier viaja ao sul da europa e copia os seus modelos para o norte da europa (desprezando totalmente as razões tradicionais e físicas que sustentam essas decisões), porque pensa que descobriu a pólvora. O que fez foi simplesmente criar uma "moda" estilística abstracta das condições geográficas dos lugares, gerando aquilo que chamamos "arquitectura internacional", ou seja, tudo igual em todo o lado. Foi preciso chegarmos aos anos 60 para percebermos o (óbvio) erro que se cometeu, e foi preciso esperar ainda mais anos para perceber que enquanto se dava holofotes aos "internacionais" Corbu, Mies, Kahn, etc, surgia uma panóplia de modernistas "tradicionais" que se baseavam na tradição do lugar (o genius locci) mas usando o melhor que podiam do modernismo - desde os exemplos brasileiros, aos do norte da europa, com arquitecturas interessantíssimas.

Em portugal, no entanto, estagnámos nesta qualidade crítica de uma arquitectura mais ... livre e verdadeira. Hoje tudo é imagem, ou seja, marketing. Vejam-se as fachadas de Cannatá e Fernandes, vejam os projectos artísticos dos Mateus, etc.

5º "Não me identifico com um discurso crítico “anti-moderno”(Descartes e tudo, mas tu lá sabes…), que não vê (ah, Corbu, “olhos que não vêem”…) na arquitectura moderna, mais do que “caprichos (…) que carecem de uma explicação razoável”, e que apela ao “uso das coisas singelas”!"

As coisas não precisam da identificação das pessoas para serem verdade ou não, desculpa-me a aparente agressividade do meu comentário. Basta ir a um dos manuais de formas arquitectónicas modernas mais usados em todo o mundo (não me lembro o nome do autor, que é conhecidíssimo, falha de amnésia grave, mas que passou pelas tuas mãos concerteza), para perceber que a arquitectura é composta por planos, linhas e pontos, e que estas coisas podem complexificar-se se introduzirmos conceitos como ritmos, repetições, modulações e rotações. Mas isto fala de arquitectura? Isto quando muito fala de composição formal de geometria, que é uma disciplina essencial à arquitectura, mas nunca a essência da forma da mesma! Não é por aqui que se parte, e todas as grandes obras de arquitectura percebem isso.

Mas o ponto fulcral é este: porque se usam determinadas formas e linguagens que são contrárias ao próprio pensamento tradicional ou simples das pessoas, que não pecam por isto atenção, mas sim por uma falta de explicação senão uma de GOSTO. Mas se é de gosto, então impõe-se a pergunta: é o arquitecto que vai IMPOR ao habitante o seu gosto? Ou são as revistas? (porque todos os arquitectos têm um desejo imanente de se verem representados de algum modo pelos outros)

Last but not least: já repararam como a linguagem arquitectónica comum tem descido de variedade e diversidade ao longo dos últimos anos para se tornar cada vez mais... "internacional" e descaracterizada da região (e portanto das pessoas) de que é local?

Porquê este afastamento?

PS: os mateus a que me refiro são os aires. Os outros para mim não existem sequer, são quase irrelevantes na inteligentsia arquitectónica (para além de que detesto quase todas as suas obras).

12:40 da manhã  
Blogger João Amaro Correia said...

eu fico com as duas, três, as que houver. sou uma puta!

2:27 da manhã  
Blogger geno said...

concordo com muito do aqui se escreveu.
acho que todos têm razão no que afirmam. o que só prova que não há aqui nenhum fundamentalista nem nenhum teórico de gabinete.
o que só vos abona, diga-se de passagem.

e é um facto: os mateus arxe-maria dão mau nome aos "originais". para quem ainda os confunde, claro.
foleiro, foleiro é o estilo casa de bonecas. seja plano, inclinado ou declinado...

3:25 da tarde  
Blogger AM said...

que bom, gente a pensar e a escrever sobre arquitectura... incluíndo o comentário do jmac :)
só escrevo para manifestar a minha discordância quanto à valorização que o barba rija e o geno fazem da obra dos (aires) mateus e dos (arx) mateus, em tudo diferente da minha... mas isso valerá outra(s) posta(s)

4:39 da tarde  
Blogger Nuno said...

Não percebo se se está aqui a falar de coberturas de águas ou das telhas enquanto solução construtiva.
As águas são uma solução volumétrica como outra qualquer e dirão respeito ás especificidades do projecto, as fórmulas em arquitectura saem pela culatra.
Quanto ás telhas são uma solução ultrapassada em termos de desempenho, poderão ser muito bem executadas, tal como uma cobertura plana invertida pode ser bem executada mas trata-se de um sistema cuja execução exige muitos cuidados, é frágil e ocorrem muitos defeitos de fabrico e a sua baixa durabilidade elimina quaisquer vantagens que resultem do seu baixo preço.
Basicamente o seu potencial estará mais na recuperação do que na inovação tecnológica...

9:44 da manhã  
Blogger cooper said...

Pensei que arquitectura fosse
Arquitectura=espaço
Existem muitos arquitectos ainda em Portugal que pensam que boa arquitectura não tem "telhado", infelizmente.
Tenho de discordar de algumas coisas que se escreveram acerca de alguns arquitectos , tais como Aires Mateus", será que visitaram todas as obras dos mateus ou viram nas revistas a cores?
Será que visitaram e sentiram o espaço em algumas das suas obras tal como a Obra de Sines, acho que tem muita qualidade e uma espacialidade fantastica.
Será que visitaram Ronchamp de Le Corbusier?
Vão ter nascer muitos arquitectos em portugal e no mundo para podermos sentir o que se sente dentro daquela obra, estas são apenas duas daquelas que visitei, existem outras tantas que não vale a pena enunciar agora.
Fantástico é apenas o que posso dizer, portanto acho que devemos esquecer se é melhor com telhado ou sem telhado e fazer boa arquitectura.
Quando se fala de arquitectectura comtemporanea falamos de novos conceitos de habitar, falamos dos "filhos e não dos avós."

7:46 da tarde  

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